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quinta-feira, junho 12, 2003
Ainda sobre #Sonhos_de_Poeta
Primeiro do que tudo, quero dizer que o texto que se segue não foi cunhado com pedantismo que poderá transparecer. Este texto é sim uma resposta pensada e estruturada por forma a desenvolver um raciocínio claro e explicativo da evolução das minhas ideias. Ao longo deste texto farei algumas citações apenas como referência aos autores que me marcaram e fizeram pensar sobre todas estas questões. Olá Nuno e caros membros do #Sonhos_de_poeta, Há muito que não frequento o #poesia. A razão, talvez se deva ao facto de por lá não existirem mais pessoas como tu (e algumas mais) que abraçam as causas. Sei que esta minha atitude não dignifica em nada a minha pessoa. Mas, essa não é a minha pretensão, eu estou em Último lugar. Nuno, eu não mudei de cara, apenas cansei-me (em pouco tempo) da ideia de que a literatura é o expoente máximo de quem quer o bem no nosso mundo. Sabes quando isto começou? Eu digo-te. Foi na altura da guerra do Iraque (esta última). Pelos jornais fora, notícias e mais notícias eram vomitadas por várias organizações que se juntaram e declamaram poesia na vã esperança de parar uma guerra ou de chamar à razão o Cowboy do Texas. Inocentes… Pelas boas intenções nem tudo é válido. A acção concertada ideal seria a de uma união global, análoga à esfera que nos sustenta neste enorme vazio, reunindo e empilhando livros de poesia, seguidamente regados com querosene [de preferência distilado do petróleo do Iraque, compondo a ironia] e incendiados com a revolta silenciosa de quem vê a sua casa [Terra] a arder, impotente. Imagino que a esta altura muitos dos leitores estarão já incendiados de revolta por lerem o que estou a escrever, não é interessante este circunlóquio? Permitam-me alargar mais este texto, invocando outros períodos e divagando o meu raciocínio: Levi no seu livro "Se Isto É Um Homem” colocou a seguinte questão "“o que resta de um homem quando todas as condições de existência humana lhe são subtraídas?” seguindo a leitura de Levi chega-se à conclusão de que nada resta. Mas não é o livro que agora me interessa mas sim este negro episódio histórico de Auschwitz e o holocausto. Primo Levi suicidou-se no dia 11 de Abril de 1987, com o número 174517 ainda tatuado no pulso. A palavra suicídio é a pretendida para continuar o raciocínio. O filósofo Theodor Adorno tinha razão, depois de Auschwitz jamais haverá lugar para a poesia. A única poesia possível não é das palavras mas sim a dos actos. No livro "“Janela do (In)Visível” de Anselmo Borges recordo-me de ter lido uma passagem sobre um gesto humano: "“E quando passamos por Auschwitz, precisamente no momento em que, perante o horror nu e gelado, tudo parecia confirmar que não há Deus, deparamos com a cela em que morreu Maximiliano Kolbe, aquele padre que avançou, oferecendo-se para morrer em vez de um homem casado e com filhos, que nem sequer conhecia.” Há tempos vi um filme [de que agora não me lembro o título] sobre o fim do holocausto, desse filme reti para sempre uma frase: "“Se Auschwitz existe, Deus não Existe”. Não me pronunciarei sobre Deus, dado que sou agnóstico, mas quero apenas dizer que Deus pode não existir mas o Homem Existe! É dele que a poesia nasce e não o contrário. Quando li o que Adorno escreveu referente à poesia depois de Auschwitz, pensei que se referia ao Homem (o tal que tinha morrido, e subsequentemente a poesia), tal como Levi. Contudo existe o Padre Maximiliano Kolbe que com o seu acto ressustiu o mesmo Homem! Paul Celan, também foi um prisioneiro e vítima do holocausto, ele e a sua família, cujos pais morreram num campo de concentração num dos países de Leste. "“Celan foi um poeta que, como poucos, sabia o Nada de cor, e esse saber, alimentado pela memória , na carne, de tantos Auschwitz, e por uma condição sem voz (a de judeu), haveria de revelar-se todo numa luta desigual com a palavra nos limites do branco.” a citação anterior pertence a um texto de João barrento “Paul Celan: o Verbo e a Morte” inserida no livro “Sete Rosas mais Tarde” Paul Celan. Aproveito agora para escrever algumas linhas sobre o Meu conceito de arte e de poesia. Para isto irei citar algumas frases de paul Celan do livro "“Arte Poética” que li há já algum tempo. Paul Celan: “A arte, minhas senhoras e meus Senhores, com tudo aquilo que já é seu e tudo o que está para vir, é também um problema. um problema, como estamos a ver, mutável, resistente e perene, que o mesmo é dizer, eterno. Um problema que permite que um morta, (...) e alguém a quem só a morte dá sentido, (...)encadeiam sem cessar palavras e mais palavras. Falar da arte é fácil. Mas quando se fala da arte há também sempre alguém que está presente e... não presta atenção ao que se diz. Para ser mais exacto: alguém que ouve e escuta e olha... e depois nãos sabe do que se esteve a falar. Mas que ouve quem fala, que o “vê falar”, que apreendeu linguagem e figura, e ao mesmo tempo também (...) a respiração, ou seja um sentido e um destino. (...) Quem traz a arte diante dos olhos e no sentido esquece-se de si. A arte provoca um distanciamento do Eu. A arte exige aqui, numa direcção determinada, uma determinada distância, um determinado caminho.” Ao ter lido este último parágrafo não pude deixar de me lembrar de um email que enviei a uma pessoa sobre “fragmentos” e que defini de uma certa forma o meu caminho, onde acabei com o seguinte: a estrutura racional, abala os pilares do caos. a harmonia depende do grau de reconstrução com um expoente de destruição, quanto maior for o exponente maior é a reconstrução, uma regra incontornável, com muitos fragmentos... não sei como considerar a Arte. sei que, ela sem a voz da sua pergunta de nada vale, é inócua. a arte sem ter a profundidade de um factor destrutivo não tem, para mim, qualquer sentido. a inocência não tem lugar na Arte. O que conta da Arte é o Homem e o distanciamento do seu diálogo, por isso se torna tão volátil, frágil, escorregadia, submersa... Pois o diálogo é feito pelo seu observador, numa relação de um para muitos, para o limiar do infinito... roçando o indelével... e a poesia? onde é que esta se encontra na arte? Paul Celan: “E a poesia? A poesia que não pode deixar de seguir o caminho da arte? A ser assim, este seria verdadeiramente o caminho para a cabeça de Medusa e para o autómato! Não estou a procurar fugas, continuo apenas a fazer perguntas, na mesma direcção(...). Talvez a poesia – é apenas uma pergunta -, talvez a poesia, tal como a arte, se dirija, com um Eu esquecido de si, para aquelas coisas inquietantes e estranhas, para de novo se libertar – mas onde? mas em que lugar? mas com que meios? mas em que condição? A ser assim, a arte seria o caminho que a poesia tem de percorrer – nem menos nem mais. (...) (...)nos dias de hoje é frequente apontar à poesia a sua “obscuridade”. (...)uma frase de Pascal, (...): Ne nous reproche pas le manque de clarté puisque nous en faisons profession! O que aqui temos parece-me ser, se não a obscuridade congénita, pelo menos aquela obscuridade atribuída à poesia, em nome de um encontro, a partir de uma distância ou de uma estranheza – que porventura se inventaram a si próprias. (...) Poesia: é qualquer coisa que pode significar uma mudança na respiração. (...) Talvez aqui, com o Eu – este eu surpreendido e liberto aqui e deste modo -, talvez aqui se liberte ainda um Outro. Talvez o poema seja ele próprio a partir deste ponto... e possa agora, deste modo não artístico e liberto da arte, seguir os seus outros caminhos, e assim, também os caminhos da arte – segui-los, segui-los e voltar a segui-los.(...) O poema é solitário. É solitário e vai a caminho. Quem o escreve torna-se parte integrante dele. Mas não se encontrará o poema, precisamente por isso, e portanto já neste momento, na situação do encontro – no mistério do encontro? O poema quer ir ao encontro de um Outro, precisa desse Outro, de um interlocutor. Procura-o e oferece-se-lhe. Cada coisa, cada indivíduo é, para o poema que se dirige para o Outro, figura desse Outro.” Paul Celan, suicidou-se no Sena em 1970. Celan, como os seus poemas, queria ir ao encontro do seu sossego, ou simplesmente ir para o Outro lado da vida. A poesia não alimentou a alma de Celan, talvez sim o contrário, dissecou-a até esta nada valer e se atirar às águas escuras do Rio Sena em Paris. Por tudo isto eu não concebo a palavra Poesia como objecto [abstracto] de aglomeração de causas [embora pela nossa história fora, o que não faltam são exemplos de textos (poemas) abraçando causas] . Para Celan – e aqui não posso discordar – o "“Poema é solitário e vai a caminho. Quem o escreve torna-se parte integrante dele.” Padre Maximiliano Kolbe com a oferta da sua vida, fundiu o poema ao acto, chamo-lhe de poemacto. Nos dias que hojem correm não consigo pronunciar Poesia, prefiro a evolução para Poemacto. Iniciativas como “sonhos_de_poeta” e outros congéneres são de salutar, pela boa força de vontade e pelo empenho em reunir e distribuir a palavra de amizade e esperança por quem lá passe. Mas, nada mais do que isso. Publicar? Sim publiquem e se multipliquem mas não com a palavra Poesia na capa. o que conspurca a Poesia com uma auréola de inocência é o facto de esta estar “classificada” como linguagem mais alta/nobre da literatura. Hoje, são poucos os Homens (e ainda assim muitos) que verdadeiramente podem escrever Poesia. Mas esses estão ainda isolados, talvez se libertem com a sua morte. escrevi muito e disse pouco, pensam vocês. não faz mal, se eu soubesse todas as respostas não estaria neste momento à procura do Poemacto.
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