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quarta-feira, junho 11, 2003
Reticências ponto final.
[um conto para quem me visita] Reticências ponto final. O escritor, após um momento de silêncio e de paralisia, deixa escorregar a lapiseira pelos dedos abaixo surpreendido e absorto. Estica um dos dedos e sente a dor do movimento após a calcificação dos mesmos devido à fuga pelas palavras que lhe consumiram a agilidade com que outra hora manejava o tacto. Naquele momento, o escritor descobriu algo de tenebroso, que o engolia numa superfície branca, lisa como o vazio sem onde se agarrar. Reticências ponto final, foi o que acabara de escrever naquele branco imenso. De início ainda vasculhou na sua memória as regras gramaticais de tal fenómeno obscuro. Mas, rapidamente caiu na verdade de quem tenta se agarrar a algo para arquitectar a mentira e sair como causa verdadeira. O escritor continua a olhar com a lapiseira abandonada do ardor da sua escrita. Observa aquela estranha mutação, aquela estranha simbiose era como que um germe nascido da escuridão da tinta, um micróbio que estava desde há milhares de anos enclausurado na tinta e que ele agora o tinha libertado para a destruição dos textos, dos seus textos primeiro. Poucos momentos após a libertação e o germe já se lhe tinha impregnado no organismo, virulento, perscrutando a razão e entediando-lha com adjectivos e verbos estéreis. De início pensou que se tinha enganado, que estava distraído e em vez dos três pontinhos colocou quatro, uma mera distracção gramatical, sem grande relevância e facilmente suprimida com um risco por cima do último ponto. Mas rapidamente se apercebeu de que não tinha sido um erro, mas sim algo invocado pelo seu subconsciente e que enquanto perfurava o imenso branco com os pontos de tinta, ele lucidamente soletrava no seu pensamento “reticências ponto final”. Tal facto fazia dele o criminoso que libertara tal bicho virulento. O terror reflectia-se na sua pele luzidia, os poros transbordavam pânico por todo o seu corpo e rapidamente uma gota de suor escapou-se-lhe pelos dedos como se uma bica de água fosse, diluindo algumas palavras náufragas naquele branco imenso, numa mancha infecciosa e intumescente. Aquela combinação sentenciava-lhe a morte da escrita, só esse poderia ser o significado de tal acto, de tal monstro. reticências ponto final de nelson d'aires
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