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sexta-feira, julho 25, 2003
Ela
O olhar de Ela percorria como uma revelação, o pouco espaço que Ele naquele recolhimento ocupava. Ela tinha quase a certeza que, se naquele momento toda a esplanada se enchesse, Ele, permaneceria imutável ao alheio, continuando a albergar toda a imobilidade e sabedoria de uma árvore. Os seus dedos como raízes, perscrutando todo o saber oculto em seu corpo, na sua natureza. Ele encontrava-se completamente ausente da sua própria presença para o mundo, escrevia vergado pelas palavras que lhe roubavam todos os dedos das mãos na hipnose branca, o corpo exsangue, da matéria para o pensamento, criando uma personagem, se não mesmo, várias personagens… Ela sentiu-se deslumbrada pela imperceptibilidade que Ele lhe transmitia, numa esplanada, onde as únicas pessoas existentes eram de facto apenas eles os dois. Era um completo estranho, mas no entanto, não a incomodara. Geralmente o confronto da presença de duas pessoas desconhecidas no mesmo espaço é incomodativo, é como se a nossa intimidade estivesse a ser violada pela presença de um olhar desconhecido e imprevisível. Mas ali não. Não com Ele a dividir o espaço, alheio à sua observação por parte de Ela. Não com aquelas mãos ardilosas e suaves, orquestrando as vogais e consoantes no tom das sílabas, estendendo todo o seu corpo na fragilidade das palavras tocadas. Sim, era música que se fazia inaudível perante os outros, que lhe chegou aos olhos e estremeceu-lhe todo o seu corpo em sentidos que se julgavam perdidos, esquecidos… A assombrosa reminiscência da refulgente paixão. Toda a ficção perdida algures na realidade daquele momento, esplendorosamente perene, onde a silhueta daquele enigmático retrato, lhe perseguiria por muitos e muitos dias de desejo e de solidão, gravado na impotência que a consciência impõe, acelerando a tontura, que lhe perfurava a mente numa espiral onde todas as leis morais lhe torturavam a revelação daquele momento. Mas, toda a porosidade de seu corpo se abria tenebrosa, exalando o brilho da pele no perfume inebriante do sangue que latejava nas veias submersas numa respiração plena de ansiedade pelo peito ali debruçado no silêncio da escrita que deleitava a pessoa, Ele, que lhe acordara o majestoso estremecimento do desejo colado à fantasia de um rumor melífluo, escorrendo toda a imoralidade doce por si abaixo. A demência aflorada de tais pensamentos fizera com que Ela sentisse vergonha de si própria aquando num movimento, se confronta e se debate no reflexo da janela suspensa de vidro, cintilando a germinação obscura da luz fria desse sol que não é para todos, iluminando-lhe o rosto numa clareza insuportável, desmesurada e violenta, pairando sobre aquela verdade a aparição de um rosto alvo e magnificente pela comunhão da vida com a juventude, onde todos os sonhos não têm limites nem grandezas, apenas a simplicidade do querer. Um rosto que agora não existia, porque, lhe tinham tirado todos os seus sonhos. Mas isso não era verdade, ela tinha-os conquistado, apenas não compreendia que os sonhos não se alcançam, os sonhos subsistem-se na ideia acalentada e querem-se livres, sem as amarras palpáveis e concretizadoras. Palpável era aquela imagem, o rosto fragilizado pelo vidro que respirava o contorno profundo das rugas sobre o canto dos olhos, fazendo com que o seu sorriso empunha-se a inexorabilidade putrescível de que o corpo tem como premonição.
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